O abandono de emprego é um dos motivos mais comuns para a aplicação da justa causa, mas também é um tema cercado de dúvidas e equívocos. Muitos trabalhadores não sabem que a empresa precisa seguir algumas formalidades antes de efetivar a demissão, e que, em certos casos, é possível reverter a decisão na Justiça.
Neste artigo, vamos esclarecer o que caracteriza o abandono de emprego, como ele deve ser comunicado ao funcionário, as consequências legais e como um trabalhador pode se proteger desse tipo de demissão.
O que constitui abandono de emprego?
O abandono de emprego ocorre quando o funcionário deixa de comparecer ao trabalho sem justificativa por um período prolongado, demonstrando intenção de não retornar. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não há um número exato de dias que configuram abandono, mas a jurisprudência considera 30 dias consecutivos de ausência como um indicativo forte.
Para que a empresa possa demitir por justa causa, deve haver a comprovação da ausência e da intenção do funcionário de não mais trabalhar. Se não houver essa comprovação, a demissão pode ser questionada.
O funcionário deve ser comunicado e notificado da ausência
Antes de considerar o abandono de emprego, o empregador tem a obrigação de tentar contatar o funcionário. Isso pode ser feito por meio de:
- Telegrama com aviso de recebimento (AR)
- Carta registrada
- E-mail formal da empresa
- Chamadas telefônicas ou mensagens via aplicativos, desde que documentadas
Caso o funcionário não responda ou não apresente justificativa válida para sua ausência, a empresa pode prosseguir com a demissão por justa causa.
Rescisão deve ser depositada em juízo se o funcionário não tiver conta bancária
Se o empregado não possui mais uma conta bancária ativa para receber os valores da rescisão, a empresa pode depositá-los em juízo. Essa medida garante que o trabalhador tenha acesso ao dinheiro devido e evita que a empresa seja acusada de descumprimento das obrigações trabalhistas.
Call centers e demissões irregulares: quando ocorre rescisão indireta
Em alguns setores, como call centers, há relatos de empresas que informam aos funcionários que aguardem em casa por uma nova realocação e, dias depois, enviam uma notificação de demissão por abandono de emprego, descontando os dias não trabalhados.
Esse tipo de prática pode ser considerada uma rescisão indireta, pois a empresa está agindo de má-fé ao criar uma falsa expectativa de continuidade do contrato. O funcionário prejudicado pode buscar um advogado e recorrer à Justiça para garantir seus direitos.
O abandono de emprego leva à justa causa
Quando a empresa comprova o abandono de emprego, pode aplicar a justa causa, conforme previsto no artigo 482 da CLT, alínea “i”. A justa causa tem impactos severos para o trabalhador, como:
- Perda do aviso prévio indenizado
- Não recebimento da multa de 40% sobre o FGTS
- Impossibilidade de sacar o FGTS acumulado
- Sem direito ao seguro-desemprego
Por isso, é fundamental que o funcionário esteja atento às comunicações da empresa e justifique eventuais ausências.
Como reverter uma justa causa pode beneficiar o funcionário?
Se a justa causa for aplicada de forma indevida, o trabalhador pode recorrer à Justiça para reverter a decisão. Se a reversão for concedida, a demissão será considerada sem justa causa, garantindo ao funcionário todos os direitos rescisórios, como:
- Aviso prévio indenizado
- Saque do FGTS e multa de 40%
- Seguro-desemprego
Isso pode representar uma grande diferença financeira para o trabalhador, especialmente em momentos de desemprego.
A reversão da justa causa exige um advogado e ação judicial
Não é possível que o funcionário reverta uma justa causa sozinho. Para isso, é necessário entrar com uma ação trabalhista e contar com o apoio de um advogado. A Justiça do Trabalho analisará o caso e decidirá se a demissão foi correta ou se houve irregularidades.
Nada pode ser feito para impedir a aplicação da justa causa
Se a empresa decidiu aplicar a justa causa e cumpriu todos os requisitos legais, não há como impedir essa decisão. O que pode ser feito é buscar a reversão posteriormente na Justiça, caso haja indícios de que a demissão foi injusta.
O funcionário não deve buscar argumentos ou confrontar a empresa
Tentar argumentar ou “bater de frente” com a empresa sobre a justa causa pode gerar desgastes desnecessários. O ideal é reunir provas de que a ausência foi justificada e, caso a empresa não aceite, procurar um advogado.
Oportunidade para defesa: o funcionário pode se explicar
Se a empresa permitir, o funcionário pode apresentar explicações antes da aplicação da justa causa. Isso pode ser feito por meio de e-mails, cartas ou até uma reunião formal. Caso a empresa não aceite a justificativa e prossiga com a demissão, o trabalhador pode buscar seus direitos judicialmente.
Formalidades da justa causa e artigos da CLT
A aplicação da justa causa deve seguir alguns critérios formais, como:
- Notificação formal ao funcionário
- Registro da ausência prolongada
- Prazo razoável para apresentação de justificativa
O artigo 482 da CLT lista as faltas graves que justificam a demissão por justa causa. Entre elas, destacam-se:
- Ato de improbidade
- Incontinência de conduta ou mau procedimento
- Negociação habitual sem autorização da empresa
- Condenação criminal
- Desídia no desempenho das funções
- Embriaguez habitual ou em serviço
- Violação de segredo da empresa
- Indisciplina ou insubordinação
- Abandono de emprego (alínea “i”)
Modelo correto de justa causa por abandono de emprego
[Nome da Empresa]
[Endereço da Empresa]
[Cidade, Estado]
À [Nome do Funcionário]
[Endereço do Funcionário]
[Cidade, Estado]
Assunto: Rescisão Contratual por Justa Causa
Prezado(a) [Nome do Funcionário],
Considerando sua ausência não justificada ao trabalho por um período superior a 30 dias, sem qualquer comunicação prévia, notificamos que seu contrato de trabalho está sendo rescindido por justa causa, conforme previsto no artigo 482, alínea “i” da CLT.
Atenciosamente,
[Nome e cargo do responsável]
A justa causa não pode ser uma “carta na manga” do empregador
O empregador não pode segurar a justa causa para aplicá-la quando quiser. Se a empresa continuar pagando salários após o abandono, ela perde o direito de demitir por justa causa, pois caracteriza perdão tácito.
Dispensa sem justa causa como perdão tácito
Se a empresa opta por realizar uma dispensa sem justa causa após um abandono de emprego, isso é considerado um perdão tácito. Ou seja, a empresa reconhece que não houve justa causa e o funcionário recebe todos os seus direitos rescisórios.
Medidas disciplinares antes da justa causa
Antes da justa causa, a empresa pode aplicar medidas disciplinares como advertências e suspensões. Isso demonstra que houve tentativas de correção antes da demissão definitiva.
O abandono de emprego é um tema delicado, e tanto empregadores quanto funcionários precisam entender seus direitos e deveres. Se houver dúvidas, sempre procure um advogado para garantir que seus direitos sejam respeitados